terça-feira, 20 de setembro de 2011

"Religiosos preferem explicações Sobrenaturais!"


Nessa técnica de argumentação os neo-ateus acusam o religioso de sempre dar mais valor a explicações sobrenaturais acerca dos fatos do que a explicações naturais.

As acusações costumam vir da seguinte forma:

NEO-ATEU: “Como posso discutir com você?! Tudo para vocês tem uma explicação mágica! Se acontece alguma coisa boa foi por que Deus quis, se acontece uma coisa má, foi culpa do diabo.”

Note que esta técnica vem sempre acompanhada de outros conjuntos de falácias. Ela carrega implicitamente o self-seling “Ateus são racionais, religiosos não” além da clássica “generalização falaciosa” tão conhecida e praticada pelos neo-ateus.

Para começar a refutação de hoje vamos analisar inicialmente o termo “Religiosos”. Este termo, como colocado nesta acusação, é totalmente vago. Existem milhares de religiões no mundo e varias delas são abissalmente diferentes entre si, creio que isto é auto-evidente (menos para os neo-ateus). Assim, quando eu digo que religiosos preferem explicações sobrenaturais para as coisas eu estou afirmando que todos os religiosos sempre preferirão a explicação que leve em conta o sobrenatural em detrimento de uma que leve em conta apenas os aspectos naturais. E isso, simplesmente, não é verdade.

Quem demonstrou isso não foi um teísta religioso preocupado em defender seu ponto e sim a sociologia das religiões, em toda sua vanguarda ateísta e encabeçada por ninguém mais ninguém menos que Max Weber. Foram os estudos deste sociólogo que perceberam e postularam a diferença básica entre pensamento mágico e pensamento religioso. De acordo com Weber, as sociedades que estagnaram no pensamento mágico não desenvolveram a ciência como nas que evoluíram para o pensamento religioso justamente porque ao manter as explicações sobrenaturais para as doenças e problemas diários esses povos não desenvolveram explicações e soluções básicas para seus problemas [1]. Ao contrário destes povos, de cultos e práticas mágicas, os povos de cultos e práticas religiosas, quase em sua totalidade monoteísmos, desenvolveram a ideia de que a divindade ou as divindades fariam, na verdade, aquilo que melhor lhes parecessem não se submetendo a nenhuma forma de barganha com os homens (o que chamamos de mágica ou feitiçaria).

Quando estas sociedades desenvolveram a ideia religiosa cessaram de tentar resolver as coisas por meio de feitiçarias e rituais, porém, mais ainda pararam de ver todos os eventos naturais como sendo obras de espíritos e deuses. Essa ideia surge inicialmente entre os hebreus. Como sua divindade Yahweh é o único criador de todas as coisas não há necessidade de distribuir papeis de controle sobre a natureza para outras centenas de deuses. O Deus dos hebreus criou a natureza e deu leis e cursos para que os entes naturais seguissem obedecendo a essas regras de forma que não havia necessidade de acreditar que o ultimo “pé-de-vento” tivesse sido a manifestação de um ente sobrenatural. Os seguintes textos comprovam a ideia de que os hebreus acreditavam que os elementos da natureza seguiam cursos pré-estabelecidos por Yahweh e que, portanto nem todas as manifestações naturais eram de sua interferência direta (Is 40.26; Jo 38,39; Am 4.13; Gn 1.9,11,14,18). Note que isto não quer dizer que os hebreus não criam que seu Deus se manifestasse por meio de fenômenos naturais. A ideia de que Deus havia determinado cursos naturais para a natureza é ainda mais reforçada pelas oportunidades em que, de maneira excepcional, Deus se manifestava utilizando-se de um elemento da natureza. É justamente a saída daquele elemento de seu curso natural que comprova e demonstra que é Deus que está agindo naquele momento (vide o Sol interromper seu curso natural no livro de Josué). O fato é que para as religiões mágicas é impossível saber quando um relâmpago é a fúria de Zeus, já que numa tempestade ordinária centenas de relâmpagos caem do céu. Fica a cargo apenas dos sacerdotes dizerem o que é e o que não é manifestação dos deuses e é de conhecimento da História que os próprios pagãos faziam jogos de interesse com esta possibilidade [2].

Assim, concluímos que a ideia, corrente em nossos dias, de que não há uma explicação sobrenatural para cada fenômeno natural, para desespero dos neo-ateus, surge no judaísmo e chega até nossa cultura através do cristianismo, que adotou essa perspectiva em larga escala! A falácia neo-ateísta fica ainda mais explicita quando citamos trechos bíblicos em que o próprio Jesus afirma que determinada doença não teve uma explicação sobrenatural (Jo 9.3)!

Dessa forma, percebemos que há “religiões” e “religiões”, as de pensamento mágico, como por exemplo, os cultos animistas, afro-brasileiros e neo-pentecostais e as de pensamento religioso como, judaísmo, zoroastrismo, islamismo e cristianismo protestante. As primeiras pregam que as coisas naturais tem espíritos, que planetas regem a vida de pessoas e que as pessoas amadas podem ser trazidas a você por meio de feitiços que funcionam em no máximo três dias. Estas crenças dão e preferem explicações sobrenaturais para a maioria das coisas. As segundas pregam que existe uma divindade onipotente, onipresente e onisciente que criou a natureza e determinou regras para que ela funcionasse de forma automática, sendo sua intervenção neste sistema de caráter tão excepcional que até se da a estas interferencias o nome de “milagre”. Para os praticantes dessas religiões as coisas não tem espíritos (nem mesmo os animais os tem), os planetas no máximo demonstram o poder criador do Deus único e as pessoas amadas só podem ser trazidas a você com uma conversa interessante, um bom caráter e um visual atraente (tsc..).

Então, quando um neo-ateu “cantar de galo” para o seu lado com a falácia do “Religiosos preferem explicações sobrenaturais” a discussão deverá ser levada mais ou menos assim:

NEO-ATEU: “Como posso discutir com você?! Tudo para vocês tem uma explicação mágica! Se acontece alguma coisa boa foi por que Deus quis, se acontece uma coisa má, foi culpa do diabo.”

REFUTADOR: “Espera lá meu amigo, que generalização é essa daí? Para começo de conversa a própria sociologia da religião, abertamente ateísta, diga-se de passagem, afirma que existem dois grandes subgrupos de religião. Como é que o senhor sai generalizando isso daí?”

NEO-ATEU: “Mas e daí que existem dois subgrupos de religiões?! Todos vocês querem explicar as coisas na base do ‘pozinho de pirlimpimpim’!”

REFUTADOR: “Vou ter que explicar não é mesmo? As religiões de caráter mágico-ritualístico é que se comportam do jeito que você está afirmando amigo. Eu sou um cristão protestante, não tenho nada a ver com esse pessoal aí. Inclusive se você hoje dá explicações naturais as coisas agradeça aos judeus por que foram eles que começaram com isso e em seguida agradeça aos cristãos por que foram eles que trouxeram isso até você. E só pra completar a conversa, o próprio Jesus Cristo admitia doenças e outros fenômenos que não tinham nenhuma explicação sobrenatural. Sua argumentação cai na falácia da generalização desmedida e na tolice da ignorância quanto a história e sociologia das religiões”

Referências Bibliográficas

1. Rejeições religiosas do mundo e suas direções. In: TRAGTENBERG,

Maurício (org.). Textos Selecionados / Max Weber. São Paulo, Abril Cultural, 1980 p. 239-268.

2. Como está amplamente documentado em fontes antigas como Strategikas de Polieno e Stratagemata de Frontino, séculos I e II d.C. respectivamente:

FRONTINO. Stratagemata, Livro III, II. 4; FRONTINO. Stratagemata, Livro I, XII.10; POLIENO. Strategica, Livro V, 12.3; POLIENO. Strategica, Livro I, 41.1; são apenas alguns exemplos.